COMO RESISTIR?

 
Solange Valladão
texto e imagens


O grupo Bens Comuns - Cultivos fez uma chamada incrível para o FSM - Fórum Social Mundial em Salvador: Apresentar em uma folha A4, com qualquer expressão artística, em preto & branco, uma ideia sobre: "Como resistir no mundo de hoje?". Folha A4 e p&b já lembra xerox, fácil reprodução, cópias livres, multiplicação à vontade. Tem coisa mais coerente do que fazer isso com esse universo, tão diverso de ideias?

A exposição está muito bonita, a montagem trouxe as cores através das folhas de papel em tons suaves que são suporte para a impressão das ideias. De imediato, me identifiquei com a ideia que trás de volta para a nossa memória, o texto de um dos 12 boletins que foram fixados pela cidade em 1798 anunciando as ideias das pessoas engajadas na Revolta dos Búzios. Genial!

A grande maioria das ideias não tem o nome do autor. Entendi esse anonimato como outro elo de coerência com a proposta de multiplicação livre das mesmas, demonstrado pelas pessoas que assim o fizeram. Na entrada da exposição está o nome de todos que colaboraram. Ali, somos todos colaboradores com a iniciativa e não autores das ideias. Isso é diferente e tem uma importância especial nesse momento de revisão crítica do que é mesmo um protagonismo, tirando da esfera individual para o campo das ideias.

Poucas propostas tem autoria. Entre estas, uma me chamou a atenção pela possibilidade real de agregar pessoas a uma determinada iniciativa que pode ser melhor entendida acessando a autora. Pode ser multiplicada, discutida, refletida e aperfeiçoada junto com a mesma, a partir das experiências já realizadas, ou apenas copiando a ideia e traçando um elo multiplicador com esta. Este é o caso da ideia "Sentar à porta" apresentada por Priscila Costa Oliveira. A frase que está em destaque na ideia é a seguinte "Parece mais urgente inventar ideias com os vizinhos de hoje do que entoar loas ao amanhã. E só. Mas é muito". O autor da frase é Bourriaud.

A proposta de Priscila é promover o diálogo entre vizinhos na rua, na calçada, retomando esse hábito que está restrito às pequenas cidades ou às áreas de baixa renda, onde as ruas, travessas e becos, ainda são lugares de lazer e de trocas, enquanto não se inibe este tipo de atividade com a chegada da urbanização, voltada para os carros e a circulação em massa, que impacta restringindo a viabilidade dessa escala de troca de vizinhança.

Minha ideia sobre esta, seria: como trazer essa troca para os corredores de circulação dos edifícios? Nos conjuntos populares, é comum as pessoas ficarem com as portas dos apartamentos abertas, principalmente por causa do calor ou porque algumas crianças brincam nos corredores em tempos de chuva, ou apenas para para ficarem perto dos pais. Já morei em um lugar assim. Confesso que a minha porta sempre ficava fechada. Morando só e sem conhecer os vizinhos, me pareceu complicado. Em alguns momentos, como na faxina, na hora de por o lixo e coisas assim, eu deixava um pouco a porta aberta, para me mostrar mais social e trocar algumas palavras dessas que se troca educadamente com estranhos, mas nunca passou disso. Mas era bom. Ia somando uma empatia do tipo "aquela ali não é metida" e as pessoas se aproximavam para falar quando eu passava e vice e versa. Então, sem ter relações estreitas com meus vizinhos, tinha ao menos algumas trocas amigáveis que criavam um bom fluxo de convivência. Isso era bom.

Na exposição, muitas ideias conversam entre si. Algumas se repetem (são reimpressas) em outros lugares. Algumas, postas lado à lado, se complementam, continuam a falar sobre algo que surgiu em outra ideia. Vai de você interpretar isso. Esses elos são um bom sinal de como pessoas diferentes, sem conversarem entre si, sem combinarem, se aproximam sob um tema comum que atravessa a todas aquelas que já desconfiam, que tem alguma coisa muito errada, quando se chega a uma condição de extrema desigualdade social em todo mundo.

É bem difícil a pessoa sair de lá sem ter suas ideias renovadas, com novas ideias ou reoxigenada sobre a abertura de perspectivas que parecem tão fechadas sobre como resistir no mundo de hoje.

O gif é pra instigar a ir lá e ver você mesmo, ou é um a palhinha pra quem não pode ir.

Exposição na Galeria Cañizares, Escola de Belas Artes - UFBA.
Rua Araújo Pinho, Canela
12 a 17 de março, das 9 às 18h




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