O URBANISMO COMO DISPUTA

Reflexões sobre a segregação urbana e social no Centro Histórico de Salvador

Área Temática: Privatização do Espaço Urbano

( Artigo apresentado no X SEMUR/UNEB, 2016)

Resumo

Apresentamos neste artigo uma reflexão inicial sobre alguns aspectos de como se constitui a segregação urbana que configura o Centro Histórico de Salvador, como um dos efeitos importantes da disputa por ocupação e uso deste lugar. Fazemos este estudo dentro de uma perspectiva que considera os seguintes acontecimentos: os deslizamento com vítimas ocorridos em maio de 2015 nas Ladeiras da Preguiça, da Conceição e da Montanha; o incremento do vetor desenvolvimento via PAC – Cidades Históricas, aliados aos recentes investimentos particulares em Hotéis de luxo como o Palace Hotel e o Hotel Fasano. Problematizamos esta perspectiva com as ações voltadas para a habitação de interesse social previstas no Plano de Reabilitação Participativo do CAS, tensionadas com conceito de dispositivo de patrimônio. Para realizar nossa análise crítica das causas históricas desta segregação, introduzimos as ideias de alegoria e engrama, que nos levam à conclusão deste artigo onde buscamos localizar no espaço e perceber no tempo a construção das condições de desigualdade de ocupação e uso do CHS para tentar, assim, avançarmos na compreensão das questões que se impõem sobre os conflitos deste modo de fazer urbanismo como disputa.

Palavras-chave: Disputa por ocupação e uso; Habitação de interesse social; Alegoria; Engrama; Centro Histórico de Salvador.

1. Introdução

Este artigo surge a partir da minha pesquisa de mestrado que trata sobre a relação entre segregação social e urbanismo no Centro Histórico de Salvador (CHS). Entendemos que esta relação foi historicamente construída entre o conflito e o jogo político do poder que tensionam a disputa por ocupação e uso no CHS entre os diferentes sujeitos. Neste modo de construção histórica esta relação têm sido responsável, em ambos os lados, por mudanças planejadas e executados pelo poder público/privado e por atravessamentos e reapropriações empreendidas pela persistência/resistência dos moradores, comerciantes e prestadores de serviços (fixos, ambulantes) da região. Este jogo de regras impostas pelos que detêm o poder político e financeiro, atravessado pela ginga dos que não tem é parte do modo de fazer urbanismo no CHS (e na cidade de Salvador) desde as primeiras grandes reformas de expansão urbana da cidade que no CHS foram especialmente incrementadas, a partir do tombamento deste pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade (em 1984).

Para análise crítica deste contexto trazemos duas ideias relacionadas ao nosso método de pesquisa: alegoria e engrama. Ideias estas que usaremos para fazer uma abordagem inicial, de teste, sobre os atravessamentos que as políticas turístico/culturais, como vetor do discurso do desenvolvimento realizam no modo de fazer cidade no CHS, considerando seu impacto sobre a habitação de interesse social, principal alvo das ações de segregação.

Nosso recorte de estudo é uma área entre a Rua Chile, a Praça Castro Alves, as Ladeiras da Montanha e da Conceição e o entorno destes lugares, incluindo parte da Cidade Baixa. Nosso objetivo é chegar mais próximo aos termos dos conflitos que alimentam e tensionam a segregação urbana no CHS e que emergem nos modos de fazer cidade como espaço público das elites e para as elites (PENNAFORTE, 2015). Termos estes que tornam-se invisíveis nos projetos e discursos das grandes intervenções urbanas que configuraram e reconfiguram o adensamento e a expansão da cidade, e que seguem nas novas diretrizes do Plano Salvador 500 e Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU, aprovados na Câmera de Vereadores este ano (2016). Estes Planos, como dados atualmente, perpetuam e avançam na desigualdade de condições da disputa por ocupação e uso do CHS inviabilizando avançarmos, enquanto sociedade para alternativas mais igualitárias e para coexistências mais justas dos muitos sujeitos que estão historicamente presentes na ocupação e uso deste legado histórico.

2. As disputas por ocupação e uso

Nas Ladeiras estão tensionadas as disputas recentes por ocupação e uso do CHS, retomadas e intensificadas nos debates do último ano quando da ocorrência de deslizamentos com vitimas fatais, que aconteceram na Ladeira da Montanha, Ladeira da Conceição e na Ladeira da Preguiça, ampliaram os debates por direito à moradia e pela permanência do antigos moradores. Debates estes que acompanham a trajetória das reformas do Centro Histórico desde o final dos anos 60. Paralelo às tragédias dos deslizamentos nas ladeiras, disputavam o noticiário as reformas do antigo Palace Hotel pelo grupo Fera Empreendimento e do antigo prédio do Jornal A Tarde pelo grupo Prima Empreendimentos Inovadores para instalar o Hotel Fasano, ambos empreendimentos voltados para o turismo de luxo ancorados num forte apelo de marketing por serem hotéis instalados em edifícios históricos, inseridos em uma área tombada pela UNESCO e com vista para o mar. Na figura 1, estão indicados estes lugares.


Figura 1: Mapa com indicação das ladeiras, hotéis e deslizamentos. Imagem: Google Earth, 2014.

Nesta disputa estão os discursos que afloram os aspectos mais ou menos visíveis e diferentemente vivenciados das marcas da segregação presentes na formação urbana, arquitetônica, econômica, social e cultural de Salvador. Os empreendimentos de hotéis de luxo se beneficiam não apenas do imóvel e da localidade históricos, mas também de investimentos públicos sob o carimbo do Programa de Aceleração do Crescimento – Cidades Históricas (PAC-CH) que prevê 23 ações em Salvador, destacando-se em nossa área de estudo: Recuperação e requalificação das muralhas da encosta do CHS; Requalificação das edificações localizadas nos Arcos da Montanha; Requalificação urbanística do entorno do Portal da Misericórdia - receptivo, acessibilidade e implantação de ascensor; Restauração de edificações do conjunto da rua da Conceição da Praia; Restauração do Forte São Marcelo, entre outras.

De outro lado estão as ações voltadas para requalificação de imóveis para moradias de famílias de baixa renda, apresentadas no Plano de Reabilitação Participativo do Centro Antigo de Salvador (parceria Governo do Estado com a UNESCO, 2010), que apresenta 14 proposições gerais. A Proposição 4 é a que trata de habitação e tem o seguinte título “Incentivo ao uso habitacional e institucional no CAS”. Nela há dois grupos de propostas relacionados a questão habitacional e que estão delineados nos objetivos específicos que estruturam as ações. O primeiro é a “Implementação de programas habitacionais para atender cerca de 5 mil famílias, preferencialmente com renda superior a 5 salários mínimos”. O salário mínimo (SM) hoje no Brasil é de R$ 880,00 (Decreto nº 8.618, de 29.12.2015). Uma renda superior a 5 SM é acima de R$ 4.400,00. Segundo o diagnóstico “Panorama Geral da Economia do Centro Antigo de Salvador” (2009) publicado na página do Centro Antigo e com dados de 2007, a renda média do morador do CHS é de R$ 631,00, a do entorno (CAS) é de R$ 799,00 e a renda média de Salvador é R$ 531,00. Para quem é este incentivo habitacional que não atinge a renda média da sua área de proposição e nem da cidade? O que isso significa em termos da disputa que estamos estudando?

Os dois últimos objetivos específicos da Proposição 4, são: “Implantação de novos programas habitacionais no CAS para 2.000 famílias de sem-teto, moradores de cômodos e cortiços” e “Promoção de condições de habitabilidade para 1.000 famílias ocupantes das áreas de risco da encosta, priorizando a sua realocação para o entorno”. Observamos aqui o tom restritivo presente em ambas e não apenas naquela relacionada à ocupação em áreas de risco da encosta - que são áreas realmente vulneráveis e que implicariam custos elevados de contenção e drenagem, para a permanência definitiva das famílias. Este tom restritivo tem o seguinte enunciado “Atualizar cadastro das famílias e manter o controle da ocupação da área”, que aparece sob o item “Ações a serem desenvolvidas”. Em 2014 foi publicado uma edição do Plano de Reabilitação Participativo do Centro Antigo de Salvador com os avanços realizados até este ano. No item sobre Habitação Social no Centro Antigo de Salvador: Avanços e Projetos, (pg. 166) é apresentada a seguinte análise sobre o Primeiro Objetivo Específico (habitação para famílias acima de 5 SM):

O primeiro objetivo específico considera a importância de atrair para morar no Centro, famílias com maior padrão de renda que possam dar outra dinâmica aos bairros centrais, a partir do maior consumo de bens e serviços. Este assunto será tratado no texto sobre novos investimentos imobiliários, a partir de modelo financeiro para produção de habitação, comércio e serviço para o mercado imobiliário.

Esta “outra dinâmica aos Bairros Centrais” está associada ao consumo de bens e serviços, mas de uma faixa de renda fora da realidade da área em questão como já vimos. Este objetivo reforça então que o “modelo financeiro de produção” não é só da habitação, mas também, da cultura e do turismo, visto claramente nos projetos bastante destacados entre os avanços realizados, como: Arena Fonte Nova, Hotel Sheraton e Metrô.

Sabemos que sem-teto, moradores de cômodos e cortiços correspondem 40% (2 mil famílias) das “cerca de 5 mil famílias, preferencialmente com renda superior a 5 salários mínimos” e que são os componentes principais dos grupos de resistência que reivindicam a permanência no CHS desde o final dos anos 60. Estarem hoje reduzidos e este número, só mostra a desigualdade de condições de disputa pela ocupação e uso deste lugar em que esta população está implicada historicamente, recentemente acentuadas pelos grandes empreendimentos imobiliários e projetos do PAC-CH voltados para o uso e exploração turístico cultural do CHS e pelas diretrizes do Plano Salvador 500 e do Plano Diretor.

A partir dos deslizamentos ocorridos em 2015 na Ladeira da Montanha, Ladeira da Conceição e na Ladeira da Preguiça, uma série de questões foram reabertas e intensificadas especialmente pela atuação de órgãos públicos relacionados ao patrimônio (IPHAN e IPAC) e pela Prefeitura, junto aos moradores e sobre os imóveis atingidos dentro da área de proteção rigorosa. O tensionamento causado entre as declarações pouco esclarecedoras destes órgãos (como a localização e o número total de imóveis efetivamente demolidos por causa dos deslizamentos ocorridos e o laudo sobre o risco de novos, que respaldasse as demolições preventivas (ocorridas na Ladeira da Montanha), a cobertura entre sensacionalista e pouco aprofundada da grande imprensa e o contraponto dos depoimentos e denúncias feitas pelos moradores e movimentos sociais nas ruas e em mídias alternativas (redes sociais e sites de imprensa livre) formaram alguns dos aspectos visíveis e iniciais do conflito que estudamos.

O fato destas disputas serem na área do Patrimônio Cultural da Humanidade, no perímetro de proteção rigorosa (Lei Municipal nº 3289/1983), gerou – e continua gerando – características específicas nos termos que formam os discursos do governo, dos moradores do lugar, da imprensa, dos empresários, dos setores culturais e da população da cidade. São discursos onde afloram essencialmente alguns aspectos complexos para uma leitura de superfície ou uma leitura com métodos estranhos à forma como gostaríamos de observar os termos da disputa em questão. Estes aspectos a que nos referimos instituem também contra-espaços neste grande plano de fazer o Centro Histórico o espaço hegemônico e utópico de um desejo de consumo cultural e turístico. As heterotopias do desvio são “espaços que a sociedade dispõe em suas margens” (FOUCAULT, 2013). Além disso, a heterotopia em geral “tem como regra justapor em um lugar real vários espaços que, normalmente, seriam ou deveriam ser incompatíveis”. Estes contra-lugares, estas justaposições são onde nos interessa mergulhar para compreender os modos já dados e os modos latentes de enfrentamento do problema da segregação. E para estes mergulhos trazemos duas ideias: a de alegoria e a de engrama que apresentamos a seguir.

3. Alegoria e Engrama

Para introduzir o contexto de nossa ideia de alegoria começamos por esclarecer que associamos a esta palavra o Portal de Santa Luzia, que nos leva à origem urbana de Salvador, cidade construída com muralha, fosso, baluartes e portas para controle de acesso e defesa, que juntos formam os primeiros exemplos da segregação e da violência em nome da segurança, da proteção e do domínio de território, que marcaram o núcleo urbano inicial. A constante imposição do domínio colonial pela força militar ao mesmo tempo em que havia a necessidade de convivência com os Tupinambás e a chegada dos povos africanos trazidos como escravos, são aspectos que, em linhas gerais, deixaram marcas na formação e no desenvolvimento da cidade colonial e da Salvador que hoje conhecemos. Estas marcas se fixaram de diversas formas no espaço e atravessaram o tempo em nossa memória de diversas maneiras. Hoje não podemos mais ver o portal, demolido em 1806 (já com no nome de Porta São Bento), mas entendemos que a segregação que ele fez emergir continua presente de muitos modos. Assim criamos o portal como alegoria de um tipo de segregação baseada no preconceito de superioridade racial, na estratificação social com sua representação urbana e arquitetônica de poder na monumentalidade e na higienização dos espaços públicos. A alegoria do portal quer também nos fazer lembrar que neste nosso modo de fazer urbanismo com segregação urbana estão as marcas do colonialismo que atravessam nossa cultura até os dias atuais. Esta alegoria é usada para apoiar e integrar nosso método de pesquisa que busca um outro jeito de olhar a história da segregação urbana, arquitetônica, econômica e social, e as condicionantes do pensamento urbanístico que configuram e reafirmam este modo predominante de fazer a cidade deste o seu núcleo inicial. Com nossa alegoria portal percorreremos transversalmente a história antiga e contemporânea da segregação como modo de fazer cidade. No Volume II das Obras Escolhidas do filósofo alemão Walter Benjamin, ele aborda o conceito de experiência e de história conhecidas como “as teses”. Na Tese 6, ele diz o seguinte:

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'tal como ele foi'. Significa apropriar-se de uma recordação, como ela relampeja no momento de um perigo. (BENJAMIN, vol. I, 2012, p. 243)

A ideia de engrama é usada em nossa pesquisa para falar do tempo. Vimos que a demarcação do poder pela segregação a partir das diferenças sociais e econômicas está ainda presente em nosso modo de fazer cidade. Esta segregação presente desde o núcleo inicial, segue estabelecendo regras e costumes rígidos baseados essencialmente em critérios sobre a raça e o status social. Nestes critérios está incutido um cotidiano repleto de mensagens de segregação que se fixaram na nossa memória e ressurgem nos sinalizando, a depender de que lado estamos, para os modos de segregar e de criar preconceitos. Reconhecemos na palavra engrama o nome das marcas destas mensagem na memória individual e coletiva que se fixa a partir de eventos de grande impacto emocional. O engrama foi utilizada pelo historiador alemão Aby Warburg na formulação do seu método de pesquisa sobre a história da arte, como uma das noções que o apoiaram na leitura anacrônica da história. Segundo Leopoldo Waizbort no prefácio da obra de Warburg (2015, p. 11), o engrama era usado em suas pesquisas como uma “forma de memória social e coletiva” que se enraíza em experiências e comoções muito intensas, que:

Penetram na subjetividade e permanecem armazenadas [...] podendo emergir posteriormente. Essas experiências ficariam armazenadas em uma memória coletiva e seriam atualizadas em situações nas quais necessidades expressivas [...] exigissem a figuração (ou expressão) de experiências intensas.

O engrama evoca a memória social (repressão, castigos, discriminação, etc), mas também, faz o “rearranjo das representações” materiais disponíveis (as grandes portas, o fosso, a monumentalidade, etc). Nesta pesquisa então, usamos o engrama como recurso para identificar como surge o Portal de Santa Luzia - nossa alegoria da memória social e coletiva da segregação colonizadora - nos discursos que constroem as narrativas e a historiografia das disputas por ocupação e uso entre os diferentes lados, nem sempre opostos, pois:

É na região da comoção orgiástica das massas que se deve buscar o mecanismo formador, que martelou na memória as formas expressivas do estado de máxima comoção interior [...] com tal intensidade que este engrama da experiência passional sobreviveu como herança armazenada na memória (WABURG, 2015, p. 367)

O Portal de Santa Luzia é a nossa alegoria dos modos de fazer cidade pela segregação no espaço e que percorre o tempo. No tempo, a segregação é um engrama gravado na memória coletiva que construiu o modo de fazer esta cidade, modo este que se refaz historicamente no espaço e no tempo.

4. Pensando com a Alegoria e o Engrama

Para concluir, exercitamos pensar onde emergem os portais e como estes acionam os engramas que se fixaram em nossa memória. O contexto em que pensamos e problematizamos o urbanismo como disputa no CHS, está movimentado pelo dispositivo de patrimônio, que:

Tem servido, desde sua instauração no século XIX, às mais diversas situações estratégicas. O objeto tornado patrimônio, monumento histórico, bem cultural ou bem de cultura, não importa o nome que se dê, está sempre funcionando como elemento de estratégias de poder e de resistência que, conforme o momento histórico, visam a construir nacionalidade ou identidade nacionais […] regular a utilização e a ocupação do solo urbano pela limitação à propriedade provada, etc. O patrimônio é, então, o resultado de uma produção que deve envolver elementos muito heterogênicos e mobiliza os mais diversos saberes para, em última análise, produzir sentidos (SANT'ANNA, 2015, p. 33).

Assim o dispositivo de patrimônio está presente nas estratégias do jogo do urbanismo que atuam diretamente na emergência da alegoria portal e na fixação de engramas dos modos de segregação. Entendemos aqui o modo como, junto com o tombamento do CHS, veio a exploração do novo status e o uso marcante deste dispositivo no apelo político e econômico para o turismo cultural, aliado ao planejamento estratégico via órgãos públicos (IPHAN e o PAC-CH), empresas de consultoria e empreendedores de capital estrangeiro e nacional, com o reforço do Plano Diretor e Salvador 500, que privilegiam a exploração da cidade pelo mercado imobiliário. Chegamos na condição atual onde todos este agentes - Governos e empresários – estão elaborando e definindo importantes projetos de intervenção no CHS sem discussão e escuta, ampla e efetiva, com moradores, comerciantes e com a sociedade. Mesmo com todas as lutas e conquistas sociais já alcançadas, estes novos projetos de intervenção mostram o quanto as conquistas sociais ainda não estão efetivamente consolidadas e fortalecidas e o quanto ainda precisamos entrar em disputa por sua efetivação.

Tomando como exemplo a Praça Castro Alves e seu entorno, tivemos em 2014 a reforma da Ladeira da Barroquinha onde ficava as tradicionais barracas de comércio de artigos de couro. No projeto de 2013 da empresa METRO de São Paulo, esta remoção estava indicada como temporária, prevendo novas barracas desmontáveis. Hoje sabemos que nada disso aconteceu e que os antigos barraqueiros tiveram que se espalhar onde fosse possível. Poderíamos seguir outros exemplos dos efeitos da segregação que as intervenções urbanas têm trazido para o CHS e para a cidade mas, nos detendo apenas ao Centro Histórico, podemos reconhecer as marcas das contradições que o formaram historicamente. A Rua Chile e o comércio de luxo (final do séc XIX e início do séc. XX) numa cidade com grande maioria da população pobre; Um conjunto arquitetônico e urbanístico Patrimônio Cultural da Humanidade, mas que não é efetivamente um patrimônio das experiências mais profundas e dolorosas de formação deste acervo patrimonial de muitas memórias apagadas ou transformadas ao gosto das elites e fechamos nossos exemplos com o atual Pelourinho o polo turístico das cenografias, que padronizam o ecletismo e tornam cultura popular as manifestações culturais herança dos povos tupinambás e africanos com o sincretismo destas com as culturas europeias, como se aqui tivéssemos colocado um ponto final, e feliz, na triste história de preconceito racial e de segregação social que, ainda hoje, facilmente presenciamos no CHS e na cidade.

De que modo a alegoria do portal e seus engramas permitem visibilizar a perpetuação das diferenças sociais e econômicas que disputam a ocupação e uso do Centro Histórico de Salvador? O Portal de Santa Luzia, nossa alegoria da segregação pode ser vista no Portal Turístico/Cultural? No Portal Carnavalesco/Axé? No Portal Desenvolvimento e Modernidade? No Portal Planejamento Estratégico e Gestão Pública?

No urbanismo da disputa do CHS os acima de 5 SM ficam, os dos cortiços saem. Os hotéis de luxo ficam, os sem teto saem. No urbanismo da disputa no CHS órgão públicos (SUCOM, SECULT, IPHAN, etc) e setores privados (Fera Empreendimentos, Prima empreendimentos, etc.) se articulam para emergir portais e do alto do seu poder hegemônico e acionam engramas que nos fazem saber de que lado estamos, dos portais assim revelados.

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