SELF-SE QUEM PUDER
Autora: Solange Valladão
Arquiteta urbanista, doutoranda em Arquitetura, Conservação e Restauro
LÚMINA
Voltei a estudar pela plataforma LÚMINA, da UFRGS, seguindo na área de Ciências Humanas e Artes, onde fiz o primeiro curso "Imagem para pensar o outro" e já escrevi sobre ele aqui. Desta vez o curso é sobre as "Inter-relações entre arte, tecnologia e educação". Meu interesse neste assunto é observar as aplicações comunicativas (didáticas) destas disciplinas, para talvez usar nas minhas pesquisas sobre ferramentas que promovam capilaridade social - tema para outro ensaio.
O curso é dividido em três módulos, cada qual com um fórum. O primeiro fala sobre "Instagram, selfies, drones e arte-educação". Trago aqui um pequeno ensaio sobre o que apresentei como discussão no primeiro fórum.
SELFCITY
Para contextualizar este ensaio preciso falar primeiro sobre o projeto Selfcity (1) que foi apresentado no curso. Trata-se de um plataforma de pesquisa desenvolvida e coordenada por Lev Manovich, especialista em arte digital e cultura, e professor da Universidade de Nova York. Esta plataforma apresenta diversas análises sobre 3.200 selfies coletadas em quatro cidades do mundo: Bangkok, Berlin, Moscou, Nova York e São Paulo, em 2014. As análises são feitas com base em temas como: poses, gênero e faixa etária e expressão de sorriso por gênero. É possível também explorar a base de dados simulando diferentes combinações e vendo a repercussão nos demais aspectos levantados. São apresentados também alguns ensaios que problematizam e analisam os resultados.
Assim comecei a minha participação no fórum dizendo que "o projeto Selfcity foi um ótima descoberta proporcionada por este curso". De fato como podem ver só pelo que trouxe aqui. Quem tiver interesse no assunto e tiver um inglês basicão, dá conta de aproveitar bem esta plataforma. A seguir trago o que publiquei no Fórum, mais algumas complementações para o texto ficar mais compreensível fora do contexto do curso.
O FÓRUM
A questão que abre o fórum é a seguinte: Você acredita que estas fotos (as selfies) possam mostrar uma visão da realidade social ou são um espelho “ideal” que seus autores tentam mostrar?
Então, procuro acompanhar o impacto social do acesso a internet de forma mais centralizada nas plataformas de socialização, divulgação e compartilhamento e por meio de aplicativos de celular. O acesso às redes sociais e de comunicação pelo celular é a combinação mais comum e viável, especialmente para pessoas de baixa renda, com aparelhos antigos e planos de acesso a internet com pouco volume de dados. Isso ficou evidente numa matéria publicada no site de notícias The Intercep, escrita pela jornalista Ysodara Córdova. Ela analisou o uso de aplicativos como WhatsApp e Facebook nas últimas eleições (2), e disse que: "O acesso privilegiado e gratuito a certos aplicativos é fruto de estratégias de empresas que, na intenção de aumentar os lucros, acabaram impulsionando a distribuição de notícias falsas, justamente por restringir o acesso à outras fontes de informação que estão na internet [...]"
Mesmo com a forte presença dos aplicativos pelo celular, segundo a PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, feita pela SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (3), que levantou os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, a maioria das pessoas ainda acessa a internet mais pelo computador (71%) do que pelo celular que fica em segundo lugar (66%), mas este último entre as pesquisas de 2014 e 2015 teve um crescimento de 16% como plataforma mais usada.
As redes sociais mais utilizadas no Brasil são, segundo a ordem de colocação: Facebbok (83%), WhatsApp (58%), YouTube (17%) e Instagram (12%). O Twitter (5%), que é uma rede também popular (especialmente agora com seu uso como meio de comunicação de políticos em altos cargos de governo como foi o caso pioneiro do presidente dos Estados Unidos) só aparece em 6º lugar e depois de uma rede menos falada que o é Google+ (7%). Interessante notar que do universo pesquisado, 6% não usa qualquer rede social - queria conhecer essa pessoas!
Já tive conta em todas essas redes, na fase de experimentar as novidade e depois deixei quase todas. Hoje tenho apenas o Facebook por este centralizar a divulgação eventos acadêmicos e de produções independentes de artistas iniciantes ou com poucos recursos de mídia para apresentar seus trabalhos e ações; este tipo de compartilhamento me interessa para não ficar restrita aos grandes circuitos e para conhecer a maior diversidade possível de produção artística e cultural.
Além deste tenho WhatsApp porque este se transformou no modo mais econômico de manter a comunicabilidade sem contratar um grande plano de telefonia celular. Coloco essas considerações para começar a refletir sobre a visão da realidade social no Brasil, através das imagens que são compartilhadas; no caso em questão, as selfies.
Seguindo com a pesquisa, outros dados contextualizam melhor o que podemos observar no site Selfcity sobre a cidade de São Paulo - Brasil. Com relação a "Frequência de uso da internet" a pesquisa de 2015 mostra que 37% usam diariamente, destes 65% estão na faixa etária entre 16-25 anos e quando a sexo há empate entre homens e mulheres com 37% cada. Duas diferenças notáveis, disparam a quantidade de acesso diários para cima, quando são abordados a faixa de renda acima de 5SM (62%) e o nível superior de escolaridade (72%).
Cruzando este dados com alguns observados no site Selfcity sobre a cidade de São Paulo - única do Brasil na pesquisa - começamos a pensar e entender porque nesta cidade 65,4% das selfies postadas são de mulheres, em torno de 20 anos e estão entre as mais sorridentes do mundo, perdendo apenas para Bangkok na Índia - que é o pais que mais acessa o Facebook no mundo; o Brasil está em 4º lugar depois dos Estados Unidos e da Indonésia (4). Pela pesquisa brasileira vemos então que essas mulheres são de fato jovens, com renda familiar acima de 5 SM - aqui é considerado classe "C" média, com renda entre 4 e 10 SM.
O Facebook seria então um janela para este status de juventude feminina, que faz muitas poses para as fotos (muito maquiadas, unhas pintadas e com cabelos bem arrumados, ou seja super produzidas para tal, é só dar uma olhada no Selfcity, na seleção de imagens correspondente a nessa faixa etária, e veremos também que a classe social explica a maioria ser de jovens brancas e de cabelos lisos ou alisados), que pertencem a uma família com boa renda e que tem fácil acesso a internet, seja pelo celular ou computador. Dai se explica tantos sorrisos?
Então esse dados mostram que essas imagens tanto são uma realidade social, em determinado recorte, como também representam um ideal de status de muitas jovens, especialmente influenciadas por artistas populares - cantoras, influencers, youtubers, etc. - que lhes servem como referência. Um modo de ter um olhar crítico sobre essa produção é justamente não se restringir ao que ela apresenta como dado e cruzar com outras expressões como exercitado aqui.
Como o assunto é self, não posso me abster de me implicar no assunto, por isso mostro minha primeira self tirada em 2008, com direito e mil experimentos de filtros e textura. Olha só:
Notas
1: Selfcity http://www.selfiecity.net/#
2: The Intercept https://theintercept.com/2018/08/10/whatsapp-facebook-gratis-fake-news/
3: Pesquisa Brasileira de Média http://pesquisademidia.gov.br/#/Geral/details-917
4: https://www.statista.com/statistics/268136/top-15-countries-based-on-number-of-facebook-users/
Autora:
Solange Valladão
Arquiteta urbanista, mestra em arquitetura e urbanismo, especialista em artes visuais e em fotografia