A MULHER, O MURO E O HOMEM

Solange Valladão
texto


Este texto surgiu do comentário que escrevi sobre um vídeo que me enviaram, onde aparece uma mulher construindo um muro.

Não sei onde é o lugar, quem é a mulher e nem o homem. Nada disso é informado.

Ela está sozinha e o muro que ela está fazendo não tem alinhamento, prumo e amarração. Os blocos assentados, estão empilhados um sobre os outros com junta reta, de cima abaixo e soltos das paredes laterais que são de construções já existentes. Neste muro é tudo tão sem técnica alguma, que chega a ser difícil entender porque ela o faz assim. Gasta seus recursos  e investe seu tempo para fazer um muro como ela imagina que deve ser, do jeito que ela dá conta de imaginar como deve ser.

Ela parece acreditar que ali tudo vai bem. É como ela vê. É a força de seu trabalho que faz aquilo acontecer, seja como for, para nosso ponto de vista – dos que sabem que o muro está errado. Ela é uma mulher pobre e não aparenta, na sua fala, um bom discernimento sobre o que faz e a situação da sua obra. Ela parece acreditar que sabe o que está fazendo. Por ela acreditar que o que está fazendo está certo, mesmo tendo ao lado uma parede feita de forma mais correta, isso nos coloca a possibilidade de uma falta real de discernimento sobre o que está em questão. Por isso, talvez, não peça ajuda, nem ache precisar de ajuda.
Por não ver erro no que faz, ela nos aponta para algo que pode ser mais profundo naquele contexto, como depois, de fato é dito por alguém nos comentários: ela tem questões de ordem psicológica que demandam atenção, mas parece não aceitar ajuda sobre isso. Seriam então expressões dessa condição, o fato de fazer o muro como faz, sem achar que está errado e por isso também não pedir ajuda?

Eu acho que não. E porque digo isso?

Veja, me parece que o homem no vídeo também tem problemas de discernimento. Ele poderia ajudá-la, está bem ali, junto a ela em pleno trabalho com seu muro. Bastaria a ele se colocar melhor. Ele também não entendeu a oportunidade que perdeu de ter acesso a ela.

Ele a chama de "predreira" e ela se sente elogiada.
Ele, ainda assim, não se dá conta do quanto é alienado com relação ao que está ali, diante dele.
Ela não enxerga erro no muro.
Ele não enxerga erro em sua abordagem caricata e na sua omissão.
Ele pergunta se ela quer um conselho, um "conselho de amigo".
Ela consente com a cabeça olhando para ele com atenção.
Ele se aproxima dela, ela se afasta.
Ela a chama de volta. Ela vem e ele a toca no ombro ao tempo que coloca o próprio rosto diante da câmera e dá o tal conselho:
- A sra. só construa o muro mas não vai morar ai debaixo não.
Ela diz:
- Como?
Ele repete:
- Não vá construir isso ai e morar debaixo não.
Ela diz:
- Moro sim.

Quem de nós diria diferente?
Eu não diria.
Quem de nós a pode julgar por confiar mais no que ela mesma faz, do que naquele homem que não consegue lhe dizer algo que a interesse, mesmo quando ela mostra interesse em escutá-lo?

Se ela pode fazer isso, se interessar pelo conselho que ele promete dar, então não se pode dizer que ela não entenderia se soubéssemos chegar nela corretamente, sem chacota, sem crítica vazia. Neste momento que seria precioso para qualquer pessoa realmente sensível a situação daquela mulher, ele tem a atitude mais tosca possível, muito mais sem prumo e desalinhada que o muro que ela faz.

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